Cumplicidade NA
Destruição III:
Como corporações globais contribuem para violações
de direitos dos povos indígenas da Amazônia Brasileira
Empresas respondem ao relatório da APIB e Amazon Watch
Companhias questionam informações do relatório CID III e usam espaço para divulgar seus próprios programas de sustentabilidade, mas não oferecem respostas concretas aos dados apresentados, nem medidas para solução das violações ou conflitos.
Todas as empresas e corporações envolvidas nos 11 casos identificados pelo relatório Cumplicidade na Destruição III: Como corporações globais estão possibilitando violações dos direitos dos povos indígenas na Amazônia brasileira receberam uma cópia do relatório antes de sua publicação, entre os dias 22 e 24 de outubro de 2020 (veja um exemplo de mensagem enviada às empresas pela Amazon Watch e APIB). Apenas quatro das corporações citadas responderam diretamente à comunicação com esclarecimentos e informações adicionais: Energisa Mato Grosso, Potássio do Brasil, JBS e Vale. Algumas empresas responderam apenas a jornalistas quando procuradas para se posicionar sobre o relatório e à organização Business and Human Rights Resource Centre (BHRRC), parceira da Amazon Watch, que publicou a íntegra de suas respostas. Nenhuma das instituições financeiras respondeu diretamente à APIB e Amazon Watch até o momento da publicação deste texto, e apenas a Vanguard e o Citigroup enviaram respostas a nossa organização parceira.
Abaixo, estão compiladas todas as respostas dadas pelas empresas, diretamente para APIB e Amazon Watch, para o BHRRC, ou para veículos da imprensa. De forma geral, as empresas mencionadas negaram quaisquer irregularidades na sua atuação e/ou na relação direta com as comunidades indígenas afetadas, o que demonstra uma tendência à naturalização dos abusos cometidos pelo poder econômico contra os povos da floresta e seus territórios, e uma visão bastante reducionista dos direitos indígenas e da conservação dos ecossistemas. Para alguns casos, a APIB e a Amazon Watch estão em contato com as comunidades mencionadas pelas empresas para colher informações e oferecer direito de resposta - todas as atualizações serão incluídas neste documento.
É importante lembrar que o relatório traz recomendações às empresas com atuação no Brasil para que possam assumir compromissos concretos a favor da garantia dos direitos dos povos indígenas e da proteção da Floresta Amazônica. Seguiremos em diálogo e pressionando essas empresas para que isso aconteça.
RESPOSTAS OFICIAIS DAS EMPRESAS
RESPOSTAS DAS EMPRESAS VIA IMPRENSA & PARCEIROS
RESPOSTAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS VIA PARCEIROS
EMPRESAS QUE RESPONDERAM FORMALMENTE
AO ENVIO DO RELATÓRIO CID III
Além disso, em sua resposta, a empresa apresentou algumas iniciativas ao combate do desmatamento ao longo da cadeia. Uma delas é a iniciativa Juntos pela Amazônia, anunciada recentemente pela JBS com grande alarde especialmente pela introdução da Plataforma Verde, uma ferramenta que “permitirá estender aos demais elos da cadeia produtiva o monitoramento socioambiental que já é feito com os fornecedores diretos da JBS na Amazônia.” Em tese, o compromisso da JBS é ter todos os fornecedores mapeados, a partir de tecnologia blockchain, até 2025. Além dos argumentos que apresentamos aqui, há dúvidas sobre a viabilidade da tecnologia e a eficácia com relação aos fornecedores indiretos. No FAQ da página oficial da Plataforma, a JBS afirma que “a adesão a ela (plataforma) será condição para negócios com a Companhia”, o que não responde sobre os fornecedores que não estão em contato direto com a JBS. Por fim, na linha do tempo apresentada no site da iniciativa, apenas na fase 4 (e última) “a adesão dos fornecedores diretos à Plataforma Verde passa a ser uma condição para vender gado para a JBS”, mais uma vez deixando dúvidas sobre a estratégia de monitoramento ou sanções junto aos fornecedores indiretos.
De fato, a alegação sobre a recusa de oferta de eletricidade se refere à outra comunidade indígena da região, a Kanela do Araguaia, e não à Terra Indígena Urubu Branco - o relatório foi atualizado para refletir essa informação de forma mais clara. Segundo o MPF, a Energisa MT se recusou a oferecer eletrificação nessas áreas por se tratarem de terras ainda não demarcadas, e portanto em litígio. No entanto, o próprio MPF, em outra ação pública, questiona a legitimidade desse argumento, uma vez que a eletricidade foi fornecida para habitantes não indígenas dentro de um território indígena sem comprovação de posse da terra. Ademais, a resposta da empresa não esclarece se entre as ligações realizadas, há ocupantes ilegais que vêm causando os conflitos relatados no território desde 1998. O Comitê Gestor mencionado não contava com representantes da FUNAI, nem das comunidades indígenas - portanto, há uma questão adicional se o Comitê Gestor sozinho teria a legitimidade para decidir sobre eletrificação em área demarcada. Por fim, a Energisa Mato Grosso abriu a possibilidade para uma reunião presencial com APIB, para prestar maiores esclarecimentos.
Apesar da Potássio do Brasil afirmar sempre ter se pautado pelo respeito ao diálogo com as comunidades indígenas, passaram-se sete anos entre a delimitação da Terra Indígena Jauary e o início do processo de consulta aos Mura e, mesmo antes disso, a empresa teria acesso a informações que se tratava de território indígena. De acordo com sua própria resposta, mais de uma década passou desde o início da prospecção até que a Potássio do Brasil reconhecesse o direito à Consulta dos Mura, e apenas após o MPF levar o caso à Justiça (ver decisão). Na Ação Civil Pública movida em 2016 contra a Potássio do Brasil, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), DNPM e FUNAI, o MPF relata que, em reunião realizada com procuradores federais em dezembro de 2015, líderes indígenas relataram a ocorrência de danos decorrentes de perfurações, incluindo danos a um cemitério da comunidade localizado na “Ilha do Amor” decorrentes de prospecções. Por fim, o próprio Estudo de Impacto Ambiental, apontou como significativos os potenciais impactos sobre a fauna e a flora aquáticas, e citou também uma provável incidência “muito alta” de outros tipos de danos.
Sobre a contaminação do Rio Cateté e os impactos sobre o povo Xikrin, a Vale afirmou que “as conclusões dos laudos elaborados por peritos judiciais em diversas questões científicas (...) afirmaram não haver nexo de causalidade entre a mineração operação da mina Onça Puma e a suposta contaminação do rio Cateté”, o que teria baseado a decisão do STF que autorizou a reabertura da mina em setembro deste ano, durante a pandemia. Não tivemos acesso aos laudos mencionados pela empresa, porém o laudo de 2015, assinado por um especialista do Instituto de Geologia e Engenharia da Universidade Federal do Pará (UFPA) apontou a contaminação por metais pesados. A empresa afirma ainda que, em audiência de conciliação realizada no âmbito das ações judiciais que tramitam atualmente, um acordo processual foi firmado entre a Vale, os Xikrin do Cateté e os Kayapó, e o Ministério Público Federal. A Vale não ofereceu detalhes sobre o conteúdo do acordo.
Por fim, a Vale afirmou apoiar os povos indígenas afetados pela Estrada de Ferro Carajás, com destaque ao povo Gavião (beneficiário de um acordo em vigor que estabelece o valor anual de R$ 14 milhões a ser repassados em parcelas mensais às sua associações indígenas), os povos Awá, Guajajara e Ka'apor, com ”apoio às atividades produtivas voltadas para o etnodesenvolvimento dessas populações.” Resta saber se a empresa, que registrou uma explosão de casos de COVID-19 entre trabalhadores do Complexo Carajás, tem apoiado as comunidades indígenas na região afetadas pela pandemia e que sofrem com falta de estrutura, demora para realização de testes e situação emergencial de fome.